O especial de jornalismo Cruzes na Estrada é resultado de um esforço de reportagem de seis dias de trabalho intenso pelas rodovias PE-177 e PE-090, em que nossa equipe cruzou 14 cidades do interior de Pernambuco registrando 195 cruzes e capelas que pontuam locais onde vidas foram interrompidas em sinistros nas estradas. Erguidos para lembrar as vítimas dessas ocorrências, tais marcos vão além da função de produzir memória para tragédias individuais, refletindo uma realidade que conecta memória, religiosidade popular e desigualdade social.

Este trabalho busca entender como a morte se torna visível ou invisível no cotidiano das comunidades interioranas do estado. Inspirada em uma abordagem etnográfica, nossa equipe entrevistou conhecidos e familiares das vítimas, além de testemunhas dos sinistros e pessoas que convivem com as cruzes, a partir das quais são produzidas narrativas que evidenciam o imaginário popular em torno desses símbolos, da morte e da estrada.

As cruzes que margeiam as rodovias vão além de simples memoriais para os mortos, funcionando também para elaboração do processo de luto e como um modo de honrar e salvar simbolicamente as almas dessas vítimas, sob uma dimensão do catolicismo popular.

O especial conta com um mapa interativo, que registra cada uma das cruzes encontradas, evidenciando o trágico cenário construído ao longo de décadas nas nossas rodovias. Ao apresentar cada um desses símbolos e suas histórias, o mapa opera também como uma forma de questionar um direcionamento ideológico que ignora a insegurança das estradas e a ausência de políticas públicas que poderiam ter evitado muitas dessas mortes.

Esta reportagem é lançada no Dia Mundial em Memória das Vítimas de Sinistros de Trânsito, data adotada pela Organização das Nações Unidas (ONU) em 1995 como forma de homenagear esses mortos e feridos, de destacar a dor das perdas de familiares e amigos e de conscientizar sobre uma mobilidade mais segura.

Cruzes na Estrada se propõe a aprofundar e a despertar novas percepções sobre as rodovias. Nas cruzes, enxergamos formas de lembrar, protestar e despertar ações que garantam a não-repetição das mortes por elas representadas.